O suicídio é considerado um problema de saúde pública, na medida em que é um fenómeno global, que não poupa classes, géneros, idades, culturas ou religiões.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os anos, entre 5 a 9.9 em cada 100000 portugueses se suicida. (leia mais sobre suicídio em http://www.saudemental.pt/suicidio/4589916582)
A morte, muitas vezes em condições violentas e inesperadas, tem efeitos nas pessoas mais próximas – familiares, amigos, conhecidos e profissionais de saúde. Quando se dá em contexto de suicídio, as pessoas próximas designam-se por “sobreviventes do suicídio”. Somos todos diferentes e, por isso, respondemos de formas diferentes a situações de luto. Não existe uma forma “certa” ou “errada” de sentir e lidar com a perda. No entanto, alguns estudos demonstram que famílias em luto por um familiar que se suicidou reportam níveis mais elevados de rejeição, vergonha, estigma, necessidade de ocultar a causa da morte do ente querido e culpa. Todos estes podem constituir barreiras para procurar ajuda e receber suporte por parte de amigos, família, bem como de profissionais de saúde.
O que distingue o suicídio
Diversos aspetos na morte por suicídio tornam o processo de luto especialmente difícil. Por exemplo:
Trauma. A morte por suicídio é repentina, por vezes violenta e muitas vezes inesperada. Podem existir pensamentos recorrentes acerca da morte e das circunstâncias em que esta ocorreu, recriando os momentos finais várias vezes numa tentativa de compreender o sucedido. Alguns sobreviventes desenvolvem Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT), uma perturbação de ansiedade onde o trauma é revivido involuntariamente sob a forma de imagens intrusivas que podem levar a estados de ansiedade extrema e evitamento de certos desencadeadores que possam levar ao surgimento de tais imagens.
Estigma, vergonha e isolamento. Os sobreviventes do suicídio muitas vezes sentem-se isolados da sua comunidade ou mesmo dos próprios membros da família. O estigma ligado à doença mental é recorrente e muitas religiões condenam o suicídio como um pecado, deixando muitas vezes os sobreviventes com receio em partilhar a sua experiência e a sua dor. O mesmo acontece quando existem diferentes pontos de vista dentro da família em como ou quando divulgar publicamente a causa de morte. A decisão de ocultar o suicídio de estranhos ou mesmo crianças na família pode levar a uma sensação de isolamento e vergonha que podem perdurar por gerações. Também a tendência para a culpabilização entre membros da mesma família, acompanhada da crença de que certas ações ou uma falha em agir podem ter contribuído para o sucedido, podem diminuir a possibilidade de apoio mútuo.
Emoções conflituantes. Depois de um suicídio os sobreviventes podem vivenciar um complexo turbilhão de emoções. Por um lado, a pessoa que morre por suicídio aparenta ser uma vítima de doença mental ou circunstâncias intoleráveis; por outro, o ato pode parecer uma agressão ou rejeição extrema daqueles que ficam para trás. Os sentimentos de raiva, rejeição e abandono após um suicídio são especialmente intensos e difíceis de racionalizar.
O “Porquê?” e o “E se?”. Este tipo de questões podem surgir após qualquer morte no processo de dar sentido ao que aconteceu. Depois de um suicídio, estas podem ser particularmente punitivas e extremas. Irrealisticamente condenam o sobrevivente por ter falhado na predição da morte ou numa intervenção eficaz que poderia ter alterado o rumo do que aconteceu, quando, na verdade, os sobreviventes tendem a sobrestimar a eficácia do que seria o seu papel no rumo dos eventos. Estas dúvidas podem levar a que seja inevitável uma desconstrução exaustiva das circunstâncias e fatores que poderão ter levado o ente querido ao suicídio, sendo de extrema importância a ajuda de familiares, amigos ou profissionais de saúde que estejam dispostos a ouvir.
Um risco para os sobreviventes. Pessoas que perderam recentemente alguém através do suicídio têm um risco mais elevado de pensar em, planear ou tentar o suicídio. É normal após a perda de alguém muito próximo, pensar que a sua própria morte seria um alívio. No entanto, se estes desejos ou pensamentos persistirem ou se intensificarem com o tempo, devemos partilhá-los com alguém de confiança, e eventualmente procurar ajuda de um profissional de saúde. Um estudo demonstrou, também, que cerca de um quarto dos sobreviventes experienciam altos níveis de depressão e stress e cerca de um quinto ansiedade, bem como PTSD e dificuldades em contextos sociais e profissionais.
Estratégias de coping
Pode acontecer que os familiares de alguém que morre por suicídio escolham passar longos períodos de tempo a tentar sentir-se, de alguma forma, mais próximos do falecido através de fotografias, pequenas lembranças, roupa ou outros objetos associados ao ente querido. O luto é um processo sem duração definida, sendo que a vasta maioria dos sobreviventes reporta que a intensidade do luto diminui no primeiro ano após a perda, mas pode tornar-se um sério impedimento na vida pessoal, social e profissional dos sobreviventes. Caso isto aconteça, será benéfica a ajuda de um profissional de saúde.
Como lidar com o suicídio – Dicas para familiares e amigos de sobreviventes
Saber o que dizer ou como ajudar após uma morte é sempre difícil, mas não deixe que o medo de dizer ou fazer algo errado o impeça de estar junto de quem perdeu alguém querido. Aqui estão algumas considerações especiais:
Fique perto. Se evitar o contato por não saber o que dizer ou fazer, os sobrevientes poderão sentir-se culpados e isolados.
Evite garantias ocas. Não é reconfortante ouvir garantias, mesmo que bem intencionadas, de que “as coisas vão melhorar” ou “pelo menos já não está a sofrer”. Os sobreviventes podem sentir que não deseja reconhecer e ouvir o seu sofrimento e pesar.
Não peça explicações. Evite questões como “Havia um bilhete?” ou “Havia alguma suspeita?”. O sobrevivente pode estar à procura de respostas, mas o seu papel é simplesmente apoiar e ouvir o que a pessoa lhe deseje contar.
Relembre a sua vida. O suicídio não é a coisa mais importante sobre a pessoa que morreu. Use o nome da pessoa. Partilhe memórias e histórias.
Reconheça a incerteza. Os sobreviventes não são todos iguais. Não assuma que os sentimentos e as necessidades de outra pessoa seriam os mesmos que os seus nessa situação. Às vezes, o sobreviente pode recusar ajuda e pedir que se afaste. Seja paciente e respeite o espaço. Pergunte “Gostaria de falar sobre o que aconteceu?”. Mesmo um sobrevivente que não queira conversar vai gostar de sentir a sua disponibilidade para o ouvir.
Ajude com as tarefas práticas. Pergunte diretamente: “O que posso fazer para ajudar?”. Ofereça-se para fazer recados, ir às compras ou ficar com as crianças. Aceite que o sobrevivente pode querer que simplesmente se sente a seu lado.
Continue presente no futuro. Mesmo que o sobrevivente não aborde o assunto, pode perguntar como se tem sentido e estar pronto para ouvir (ou respeitar o desejo de não falar sobre isso). Seja paciente e esteja disposto a ouvir as mesmas histórias ou preocupações, mesmo que já tenha passado algum tempo após o sucedido. Numa fase inicial, é mais frequente ter mais amigos e familiares mais próximos, o que tende a dissipar-se à medida que o tempo passa. Esteja presente e ofereça o seu apoio, não importa quanto tempo tenha passado.