As emoções e o humor
O sistema emocional funciona e é regulado no cérebro. Tal como a temperatura do nosso corpo, a capacidade de sentirmos emoções e a sua intensidade também é regulada neste órgão.
Todos nós sentimos mudanças de humor, geralmente a par de situações ou eventos mais positivos ou negativos. Por vezes estamos contentes, sentimo-nos felizes e confiantes com o mundo que nos rodeia. Outras vezes, ficamos tristes e o mundo parece pesado e sem graça. Podemos experimentar estes diferentes sentimentos no espaço de um dia, de forma não patológica.
Quando a oscilação do humor é extrema e interfere no normal funcionamento da pessoa, alterando a sua forma de estar, sentir ou pensar, ao ponto de as pessoas mais próximas sentirem que algo não está bem, poderá tratar-se de uma perturbação bipolar.

O que é a Perturbação Bipolar?
A Perturbação Bipolar é uma perturbação psiquiátrica caraterizada por alterações acentuadas do humor e da energia, com episódios de intensa depressão e outros de extrema euforia, chamados episódios de mania. Podem ocorrer também episódios mistos, nos quais estão presentes tanto sintomas depressivos como maníacos.
Estes episódios podem ser acompanhados por desorganização do pensamento e do comportamento e interferem frequentemente com a rotina diária pessoal, profissional e familiar do doente.
Cerca de 3% a 5% da população em todo o mundo sofre de perturbação bipolar. Pode ter início em qualquer altura da vida, mas surge mais frequentemente em jovens adultos e raramente em crianças.
A apresentação da doença é muito variável. Os episódios podem ser leves, moderados ou graves, ocorrer de uma forma esporádica, cíclica, ou por vezes consecutiva, sem intervalos. Existem, no entanto, períodos livres de sintomas, em que o humor está a funcionar de forma adequada.
A perturbação bipolar é uma doença crónica, que pode evoluir para formas mais graves se não for devidamente tratada.
O que causa a Perturbação Bipolar?
São conhecidos vários fatores que podem predispor a esta condição clínica. No entanto, ainda não são totalmente compreendidos os mecanismos cerebrais que determinam o aparecimento desta perturbação.
- Fatores genéticos: ter um familiar próximo com Perturbação Bipolar aumenta o risco de sofrer desta doença – contudo, não foi identificado um gene responsável.
- Fatores ambientais: em pessoas que apresentam suscetibilidade para a doença, a vivência de circunstâncias muito stressantes (como a morte de alguém próximo, uma separação ou problemas financeiros) pode atuar como um gatilho e desencadear episódios sintomáticos.
- Alterações cerebrais: são vários os estudos científicos que estão a decorrer para entender o funcionamento do cérebro na perturbação bipolar. Muitos apontam para que existam alterações ao nível de circuitos cerebrais que dão origem aos episódios de mania e depressão, bem como desequilíbrio de vários neurotransmissores.
É importante referir que a Perturbação Bipolar não é um sinal de fraqueza de caráter, nem está dependente da vontade de cada um. Tal como acontece com outras doenças, como a Diabetes ou Hipertensão Arterial, a pessoa não escolhe ser portador desta condição clínica.
Que tipos de Perturbação Bipolar existem?
Existem diferentes tipos de Perturbação Bipolar, dependentes da gravidade dos sintomas e da sua duração. Tradicionalmente distinguem-se dois tipos:
- Na Perturbação Bipolar tipo I os doentes apresentam pelo menos um episódio de mania e este episódio dura pelo menos uma semana; também podem apresentar episódios depressivos, com duração de pelo menos duas semanas. Esta é a forma mais grave de Perturbação Bipolar.
- A Perturbação Bipolar tipo II carateriza-se essencialmente por episódios de depressão com períodos ocasionais de euforia, que não têm a gravidade e o impacto suficientes para serem considerados episódios maníacos.
Que sintomas estão presentes na Mania?
O doente em mania sente-se com mais energia, alegre, comunicativo, confiante e criativo. Há ainda uma diminuição da necessidade de dormir e do número de horas de sono.
Este aumento da energia traduz-se pela tentativa de realizar várias tarefas ao mesmo tempo sem as conseguir terminar, e elaborar muitos planos para o futuro. As decisões são tomadas de forma muito otimista, sem ponderar corretamente as suas consequências, o que pode resultar em gastos excessivos de dinheiro ou alterações dos seus hábitos sexuais.
É característico das pessoas em episódio maníaco falarem muito rápido, saltando de tema em tema sem deixarem que as interrompam; sentirem os pensamentos acelerados ou surgirem muitos pensamentos em simultâneo; por vezes podem ter ideias exageradas de grandeza ou de perseguição, ou mesmo verem ou ouvirem coisas que outros não vêm nem ouvem.
“Sentia um otimismo extravagante, sentia-me fantástica, em plena forma física, intelectual e, de certa maneira, espiritual. Via tudo e todos com um filtro cor-de-rosa, que oscilava entre o bebe e o choque. (…) Chegavam camiões e camiões de informação de informação ao meu cérebro e ele abria-se mais e mais para a receber. (…) Não sabia muito bem a quantas andava, mas andava a muitas. Mantinha a noção básica do que eram as coisas e de quem eram as pessoas mas atribuía-lhes valores que não lhes correspondiam. Tinha reações completamente exageradas. Mantinha uma atitude de hipersensibilidade em relação a tudo o que pudessem dizer, no entanto, eu sentia-me mais livre do que nunca para dizer tudo o que me parecesse, sendo agressiva e provocadora.”
Ana ventura – “Bipolar o lado de Cá”, Pastelaria Studios (2011)
Que sintomas estão presentes na Depressão?
A depressão na Doença Bipolar pode ser semelhante a uma Depressão Major.
Os principais sintomas são tristeza, que se prolonga no tempo, com diminuição da energia, cansaço, falta de concentração e dificuldade em realizar as atividades habituais. Os pensamentos correm de forma lenta. O pessimismo invade todas as esferas da vida, fazendo com que o doente se sinta inútil, inseguro e sem esperança no futuro. Podem surgir sentimentos de culpa e de ruína exagerados, que ultrapassam a realidade.
Torna-se difícil o relacionamento social, havendo tendência a evitar o convívio com outras pessoas. Associam-se com frequência alterações do sono e do apetite e diminuição do desejo sexual. Podem ocorrer ideias de autodestruição e ideação suicida.
“Não queria estar com ninguém, fazer coisa alguma, ser o que quer que fosse. Não queria ser aquela nem imaginava que pudesse ser diferente. Não pensava. Ficava no escuro. Não vivia. Faltei aos exames. Faltei à vida. Várias semanas. (…) Deixei-me afundar até às profundezas do quase não ser. Então como muitas vezes depois, pensei em morrer, mas nem estes pensamentos me preenchiam os dias. Era indiferente. De certa forma, estava já morta.”
Ana Ventura – “Bipolar o lado de cá”, Pastelaria Studios (2011)
Que sintomas estão presentes num episódio Misto?
Podem surgir episódios em que coexistem sintomas de mania e de depressão, designados por episódios mistos. Nestas situações, o doente está frequentemente excitado e agitado, tem energia e necessidade de realizar muitas tarefas ou de estar ocupado, mas sente-se depressivo e sem esperança no futuro. Pode existir um grande nível de irritabilidade, capaz de pôr em risco o próprio doente e terceiros.
“Era estranho porque sentia que era pouco, como se estivesse deprimida, mas sentia um enorme impulso para ser o que eu chamaria de melhor, como senti em estados de mania. Havia uma força que me puxava para cima e havia uma força que me puxava para baixo, ambas violentamente. Senti-me a esticar, quase a rasgar.”
Ana Ventura – “Bipolar o lado de cá”, Pastelaria Studios(2011)
Não é necessário apresentar todos os sintomas para ter uma Perturbação Bipolar. Se pensa que tem algum destes sintomas deve falar com o seu médico.
Tratamento
Existem tratamentos eficazes que controlam os sintomas e promovem a qualidade de vida dos doentes com Perturbação Bipolar. Perante o diagnóstico, o seu médico irá elaborar um plano de tratamento com o objetivo de estabilizar o humor e prevenir as recaídas. Este plano pode incluir medicamentos, psicoterapia, psicoeducação entre outros.
Com frequência os doentes abandonam o tratamento por não reconhecerem a doença e até por se sentirem bem e confiantes durante as fases de mania ou hipomania. É importante que isto seja evitado, porque os sintomas que voltam após interrupção do tratamento são, muitas vezes, de difícil controlo.
Tratamento Farmacológico
Os medicamentos capazes de controlar a doença bipolar são designados de estabilizadores do humor, visto que conseguem evitar os extremos da depressão e da mania, permitindo aos doentes um funcionamento adequado e livre de sintomas.
Os estabilizadores de humor mais utilizados são o Lítio e o Valproato de Sódio.
Lítio
O lítio é um medicamento já usado na prática clínica desde há vários anos, com eficácia comprovada para o tratamento e prevenção dos episódios agudos, principalmente na mania.
Deve ser tomado durante um longo período de tempo, e não apenas em fases de descompensação da doença.
A dose de Lítio recomendada varia de pessoa para pessoa. Esta é ajustada de acordo com os níveis sanguíneos de lítio, que devem ser mantidos dentro de um intervalo que garante que este é eficaz sem risco de sobredosagem. Por isso, durante o tratamento é necessário realizar análises ao sangue regulares.
É importante que os comprimidos de lítio sejam tomados conforme prescrito, com água ou uma bebida fria. Caso se esqueça de tomar a medicação, deve voltar a tomá-la conforme prescrito, sem compensar a(s) toma(s) esquecidas, e avisar o seu médico deste facto. Não deve interromper ou alterar a posologia sem falar com o seu médico assistente.
A maioria dos doentes toma Lítio sem quaisquer efeitos adversos. Porém, uma minoria poderá sentir náuseas ou vómitos, diarreia, sonolência, tremores e aumento do volume de urina. Consulte o seu médico se apresentar estes sintomas.
Valproato de Sódio
Este é um fármaco que atua no Sistema Nervoso Central, aprovado para o tratamento da Epilepsia e da Perturbação Bipolar. Pode ser vendido em comprimido, solução ou granulado.
À semelhança do Lítio, o Valproato de Sódio deve ser mantido em determinados níveis sanguíneos, sendo por isso necessário realizar análises regulares. De acordo com este valor, poderá ser necessário ajustar a dose.
Caso se esqueça de tomar a medicação, deve voltar a tomá-la conforme prescrito, sem compensar a(s) toma(s) esquecidas, e informar o seu médico.
Alguns dos efeitos secundários que podem surgir temporariamente são náuseas ou vómitos, sonolência, tonturas, erupções cutâneas, aumento de peso ou queda de cabelo. Nos primeiros 6 meses de tratamento podem ocorrer alterações da função hepática.
Não é aconselhada a toma de Valproato durante a gravidez, em especial durante os primeiros 3 meses de gestação. Se pretende engravidar e está a tomar Valproato, deverá consultar o seu médico assistente, de modo a planear corretamente a gravidez.
Outros medicamentos
Existem outros fármacos que podem ser utilizados no tratamento da doença bipolar, como outros anticonvulsivantes como a lamotrigina, e ainda alguns antipsicóticos.
Os antidepressivos são um excelente tratamento para a depressão, mas quando utilizados em doentes com Perturbação Bipolar, sem a associação de estabilizadores do humor, podem desencadear uma viragem para mania. Não existe consenso relativamente à sua utilização e a situação deve ser analisada caso-a-caso.
Psicoterapia
A terapia cognitivo-comportamental pode contribuir para corrigir os pensamentos e comportamentos pouco adaptativos associados aos episódios depressivos e de mania. As psicoterapias interpessoais podem desempenhar um papel benéfico ao melhorarem a interação social com terceiros.
Psicoeducação
A Psicoeducação é um complemento ao tratamento que ajuda o doente e os seus familiares a compreender melhor a doença e a lidar com os seus sintomas.
O conhecimento dos sintomas da Perturbação Bipolar pode permitir ao doente e familiares reconhecer uma fase precoce de descompensação, levando ao seu rápido controlo ou mesmo evitando um internamento.
É importante manter um estilo de vida saudável, com ênfase num sono em horário regulado e alimentação saudável.
Estar informado sobre a doença e o seu tratamento e promover boas relações familiares e sociais contribuem de forma favorável para a evolução desta perturbação.
Outras informações
Algumas Personalidades com Perturbação Bipolar:
- Vincent Van Gogh (1853-1890), pintor
- Virginia Woolf (1882-1941), escritora
- Frank Sinatra (1915-1998), cantor
- Richard Dreyfuss (1947-), ator
- Carrie Fisher (1956-2016), atriz
- Mel Gibson (1956-), actor e realizador
- Stephen Fry (1957-), ator, comediante, escritor
- Jean-Claude Van Damme (1960-), actor
- Paul Gascoigne (1967-), futebolista
- Mariah Carey (1969-), cantora
- Catherine Zeta-Jones (1969-), atriz
- Russel Brand (1975-), ator e comediante
Consulte o folheto informativo sobre Perturbação Bipolar.
(artigo revisto e publicado em abril de 2021)