A migração é um processo que ocorre desde os primórdios da humanidade, e que se define por uma mudança na localização do local de residência de um indivíduo por qualquer período de tempo. Segundo a UNESCO, um migrante é qualquer pessoa que vive temporária ou permanentemente num país onde não tenha nascido, e que adquiriu laços sociais significativos com este país. Várias razões podem influenciar e motivar a migração, tais como a procura de melhores condições económicas ou educacionais, ou fatores políticos que levem as pessoas a serem excluídas ou mesmo perseguidas na sua cultura original.
Quando uma pessoa se vê forçada a abandonar o seu país de origem, não podendo regressar devido ao risco de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opinião política, esse alguém pode ser considerado refugiado. De acordo com as Nações Unidas, em 2017 existiam 25,4 milhões de pessoas refugiadas, sendo uma das principais causas a fuga a guerras ou violência. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2019 houve uma subida de 45% nos pedidos de proteção internacional em Portugal face ao ano anterior.
O processo de migração é constituído por diferentes fases, nas quais podemos encontrar diferentes fatores de vulnerabilidade que podem ter impacto na saúde mental.
- Fase pré-migração: período anterior à migração que engloba a decisão de migrar e a sua preparação. Aqui podemos encontrar os fatores de vulnerabilidade para doença mental comuns a qualquer população (genéticos, pessoais, ambientais), mas também fatores dependentes da experiência individual, que pode envolver vivências traumáticas induzidas por guerra, perseguição ou violência.
- Fase migratória: Deslocação propriamente dita de um local para outro, por vezes de forma não planeada e até associada a riscos para a própria vida do migrante. A incerteza, isolamento e perda súbita de suporte social e recursos são fatores que podem também estar presentes.
- Fase pós-migratória: Ajustamento ao enquadramento social, político, económico e cultural de uma nova sociedade. Nesta fase, a pessoa pode deparar-se com várias adversidades sociais – discriminação, segregação, barreiras à comunicação, baixo suporte e isolamento social, ausência de alojamento – e económicas – desemprego, baixo rendimento – que são geradores de stress e de sentimentos de frustração e desilusão. O desenraizamento da cultura original e a perda dos seus rituais, ideias, locais e pessoas pode levar a sentimentos de perda, mesmo até da própria identidade, originando reações de luto.

Doença Mental na população migrante:
A acumulação destes elementos ao longo do tempo traduz uma fonte contínua e cumulativa de stress, um dano migratório, que pode ser suficientemente forte para causar um desequilíbrio mental. De facto, os migrantes têm maior probabilidade do que a população em geral de ter uma doença mental – e este risco mantém-se elevado nos seus descendentes. Os refugiados são provavelmente o grupo de migrantes mais vulnerável, pela maior carga de stress vivenciada.
Nos migrantes há um risco aumentado de psicose comparativamente com a população não migrante. Ao longo das últimas décadas, foram levantadas várias hipóteses para explicar este fenómeno e surgiram alguns mitos. Atualmente, considera-se que o mais provável seja existir uma conjugação de vários fatores onde a predisposição genética de cada um vai ser potenciada e modelada pelas circunstâncias das fases pré migratória, migratória e pós migratória. Quanto mais sujeita a pessoa tiver sido a eventos adversos de vida e quanto mais desenraizada e isolada estiver, maior o risco. Assim, não surpreende que nos refugiados este risco seja ainda maior, dado tratar-se de uma deslocação forçada, não planeada, onde o tempo de espera por asilo pode ser significativo. E, como já referido, as consequências da migração e a predisposição genética vão continuar a ter influência na geração seguinte.
Nos migrantes, e neste caso de forma ainda mais expressiva nos refugiados, existe ainda um risco aumentado de ansiedade, depressão e stress-pós-traumático. Na depressão, as adversidades pós migratórias são particularmente importantes. Já no caso do stress pós-traumático, são, de um modo geral, mais relevantes os fatores pré migratórios e migratórios, sendo esta patologia mais provável de ser encontrada em pessoas que se viram obrigadas a fugir de conflitos bélicos.
A prevalência destas doenças é maior nas fases mais tardias do processo de migração, e é amplamente dependente das várias adversidades encontradas na fase de pós-migração e na integração na nova cultura. Muitos destes factores de vulnerabilidade são potencialmente modificáveis, através de medidas políticas e sociais que visam a integração, diminuição do isolamento social e melhoria das condições socio-económicas. De facto, a prevalência tende a reduzir com o tempo – caso as circunstâncias de vida dos migrantes, de facto, melhorem.
Acesso aos cuidados de Saúde:
Apesar da maior prevalência, sabe-se que o acesso aos cuidados de saúde fica muito aquém das necessidades, quer por dificuldades destas populações em chegar até aos profissionais, quer por dificuldades nos profissionais em abordar estas populações.
Estas populações geralmente acedem aos cuidados de saúde em fases mais avançadas de doença. Acredita-se que tal acontece por vários motivos: barreiras culturais e sociais, dificuldade em identificar os problemas de saúde devido a crenças de saúde, religiosas ou políticas; crenças de que os serviços não estão disponíveis ou barreiras comunicacionais.
É, portanto, essencial que seja promovida a acessibilidade a cuidados de saúde culturalmente competentes e em tempo útil.
Alguns fatores que poderão contribuir são:
- Dar a conhecer a rede de cuidados de saúde e garantir acesso a cuidados de saúde primários e, se necessário, secundários.
- Comunicação eficaz através de informação sobre os vários serviços providenciada em vários idiomas e existência de intérpretes e tradutores disponíveis para auxiliar os serviços.
- Literacia em saúde, através da existência de programas de integração que promovam iniciativas que fomentem conhecimentos sobre saúde e doença, funcionamento dos serviços de saúde, como usá-los e quando usá-los. É importante notar que para aceder aos serviços de saúde são necessários, não só conhecimentos em saúde, mas também competências sociais que estes grupos marginalizados carecem.
- Treino de competências culturais dos prestadores de serviços, dos clínicos e das organizações. Uma forma validada para este efeito é a implementação de mediadores culturais ou consultores que atuam como agentes de disseminação de informação nas comunidades migrantes, de forma a auxiliar tratamentos, explicar conceitos médicos e ajudar os profissionais de saúde na interpretação do sofrimento no contexto social e cultural dos doentes.
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